A raiva e a esperança

“Precisamos pegar armas e matar todos eles!” disse o homem tomado de raiva. Um silêncio mortal caiu sobre o círculo. Ninguém sabia o que dizer naquele momento. 

Esta situação ocorreu no deserto dos Territórios Palestinos Ocupados, num retiro de 2 semanas de Comunicação Não-Violenta, com 150 palestinos, judeus e internacionais. 

Numa das atividades os participantes falavam em pequenas rodas de conversa sobre situações em que fizeram algo que feriu alguém física ou emocionalmente. Iniciavam contando a história, que normalmente era pautada por medo, culpa e vergonha. Em seguida buscavam mudar a “lente” e identificar suas necessidades ou valores não atendidos na situação. Esse exercício permite enxergar além da polarização binária bom/mal, certo/errado e conectar-se ao sofrimento de outra forma, viver o luto e a tristeza como processo de transformação e superação da dor e assim romper o ciclo da vingança.

Um judeu israelense tomou a palavra, inicialmente com muita dificuldade. Contou  que foi soldado de elite no exército de Israel, viu e fez coisas horríveis, a mando de seus comandantes e governo. Humilhou e tirou famílias de seus lares de madrugada, ordenou a destruição de casas, permitiu que extremistas agredissem palestinos sem motivo, e ele mesmo os agrediu apenas para gerar pânico e medo como forma estratégica de dominação. 

Conforme sua fala avançava ele começou a tremer e o volume de sua voz aumentou. Com raiva, disse que não há com quem conversar, que o sistema do governo de Israel nunca irá mudar e que a única saída é a violência: “pegar armas e matar todos eles”!

Estava tão abalado emocionalmente que não conseguia sozinho colocar a “lente” de humanização que busca enxergar por trás da culpa, do julgamento e da vingança. Então tentamos apoiá-lo, num movimento de escuta e checagem empática, buscando identificar seus sentimentos e necessidades, além da raiva. 

Após algumas tentativas, chegamos ao cerne: perguntamos se ele se sentia impotente e lhe faltava esperança. Esperança de que é possível haver mudança, justiça, dignidade, respeito e proteção para todos naquela região.

O homem silenciou por um momento e desabou a chorar. Disse soluçando: “sim, eu quero ter esperança, é isso que eu mais quero” e seu corpo, antes tenso e hostil, relaxou imediatamente.

A raiva e a violência como solução imediata estavam vindo da sua desesperança. Ele não queria ferir, matar ou criar mais violência em nome da paz. O que ele realmente ansiava era a esperança de encontrar algo que pudesse ser feito para realmente transformar a situação e proteger as pessoas. 

A Comunicação Não-Violenta nos convida a entender que construir a paz requer algo mais difícil que a vingança. Requer empatia pelos medos e necessidades por trás da violência, construindo uma consciência que abre portas para imaginar outras formas de agir que tenham mais chance de construir o que queremos ver no mundo.

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