O percentual de doenças crônicas, câncer e depressão aumenta muito em função da inabilidade das pessoas em exercer sua autenticidade e cuidar de si.
Marshall Rosenberg, criador da Comunicação Não Violenta, dizia que “ficamos deprimidos porque não conseguimos o que queremos, e não conseguimos o que queremos porque nunca fomos ensinados a conseguir o que queremos. Em vez disso, fomos ensinados a sermos bons meninos e meninas, boas mães e pais. Se vamos ser uma dessas pessoas boas, é melhor nos acostumarmos a ficar deprimidos. Depressão é a recompensa que recebemos por sermos ‘bonzinhos’. Mas, se você quer se sentir melhor, eu o convido a deixar claro o que gostaria que as pessoas fizessem para tornar a vida mais maravilhosa para você”.
Em seu trabalho, Marshall ressalta a importância de nos conscientizarmos de nossas necessidades e valores, e nos tornarmos responsáveis por nossa própria felicidade. Parece simples, mas nem sempre é fácil fazer o que é importante para cuidarmos de nós mesmos. Além das condições estruturais raciais, de gênero e socioeconômicas a que estamos submetidos e que não mudam facilmente, existe um outro fator, relacionado às nossas condições psicológicas.
Gabor Maté, médico canadense, pesquisa os efeitos do trauma na primeira infância sobre a saúde mental e física ao longo da vida, e fala sobre duas necessidades importantes que temos logo no início da vida: conexão e autenticidade. A conexão está relacionada a tudo que o bebê precisa para sobreviver, como amor, atenção, nutrição, proteção e pertencimento. Autenticidade é a criança manifestar sua essência, ser ela mesma, expressar o que está bom ou não, seguir sua intuição. De diversas formas, essa necessidade é importante para a sobrevivência.
Maté identificou um padrão que contribui para o desafio considerado aqui. Frequentemente, o bebê percebe o estresse da mãe (ou cuidador) e logo aprende que sua autenticidade pode aumentá-lo e pôr em risco sua conexão com ela e, portanto, sua sobrevivência. Assim, aprendemos desde cedo a suprimir nossa verdade por medo da nossa sobrevivência. Ao longo da vida, essa memória guardada em nosso sistema nervoso e corpo toma controle quando nos deparamos com normas sociais e papéis que assumimos na vida. A tendência é suprimirmos nossa autenticidade para garantir a conexão com as pessoas, mesmo não dependendo delas como dependíamos quando bebês.
A isso se soma o autossacrifício como valor enaltecido em nossa cultura. Segundo Maté, o percentual de doenças crônicas, câncer e depressão aumenta muito em função da inabilidade das pessoas em exercer sua autenticidade e cuidar de si, literalmente sacrificando-se pelos outros. Quando tomamos consciência de que estamos dominados por um comportamento que talvez tenha sido importante quando éramos bebê tentando sobreviver, mas que agora não é mais necessário, isso pode nos ajudar a recuperar nossa autenticidade e conexão conosco, encontrando maneiras de equilibrar o cuidado com os outros e o autocuidado.
Parece simples, mas nem sempre é fácil fazer o que é importante para cuidarmos de nós mesmos.
*Texto originalmente publicado na Revista Bons Fluídos/Viva Saúde. Escrito por Sandra Caselato e Yuri Haasz.