Quando agimos em troca de recompensas nos afastamos de nossa conexão interior.
Ao criar a Comunicação Não Violenta, Marshall Rosenberg estudou certas formas de linguagem que nos afastam e nos alienam da vida e de nosso estado natural de compaixão. Essa comunicação “alienante da vida” contribui para um comportamento que fere os outros e nós mesmos e pode ser resumida em quatro tipos de linguagem: negação de responsabilidade, julgamentos, merecimento e exigências no inglês são 4 Ds: Denial of responsibility, Diagnosis (judgements), Deserve e Demand.
Hoje vamos falar um pouco mais sobre a linguagem de merecimento. Na coluna anterior comentamos como em nossa cultura e sociedade celebramos a violência, como quando o “herói” bate ou mata o “bandido” em programas de TV e desenhos animados, por exemplo. Na base de quase toda violência, verbal, psicológica ou física, entre familiares, grupos diversos ou nações, está um tipo de pensamento que atribui a causa do conflito ao fato de os adversários estarem errados e, portanto, merecerem ser punidos. A pressuposição é que a punição vai trazer arrependimento e a pessoa vai mudar. Porém, sabemos que isso não acontece.
Não seria melhor se as pessoas mudassem não para evitar punição, mas porque a mudança as beneficiará? A justiça restaurativa mostra que criar condições para que ofensores se conectem com empatia com o sofrimento que causaram é mais eficaz que a punição na mudança de comportamento.
No outro lado dessa mesma moeda de merecimento está a recompensa, a premiação. É muito comum as crianças ou virem de seus pais e cuidadores: “Você precisa comer tudo senão não vai ganhar sobremesa”, “Se você tirar nota boa na escola, você ganha um brinquedo” etc. Crescemos mergulhados nessa cultura de merecimento em que recebemos punição e castigo quando não fazemos o que as pessoas em posição de poder esperam de nós, e recebemos premiação e elogio quando fazemos o que elas querem. Aprendemos a fazer as coisas por medo ou vergonha, para evitar punição e receber a recompensa, a aceitação e o amor.
O problema desse tipo de cultura e educação em que passamos a fazer as coisas para atender às expectativas de outras pessoas a partir de um referencial externo a nós mesmos é que isso nos desconecta de nossos próprios sentimentos e necessidades e daquilo que traz sentido para nossa vida. Não é à toa que vivemos numa época em que tantas pessoas sofrem com depressão e transtornos de ansiedade, desconectadas de si mesmas.
A Comunicação Não Violenta nos convida a fortalecer essa conexão interna com nossos sentimentos e necessidades, num processo contínuo de autoconhecimento, para agirmos no mundo e na vida a partir de nossos referenciais internos em vez de expectativas exteriores.
*Texto originalmente publicado na Revista Viva Saúde. Escrito por Sandra Caselato e Yuri Haasz.