Costumamos iniciar nossos cursos de Comunicação Não-Violenta com alguns convites aos participantes. Pedimos para prestarem atenção em certos detalhes internos, a fim de criar uma qualidade de presença que favoreça um mergulho profundo em si mesmos e nas suas relações, tanto no ambiente laboratorial que criamos durante o curso, quanto em suas vidas diárias.
Um desses convites é “acolha seu desconforto”. A ideia é que cada um perceba quando sente algum desconforto, que pode surgir na forma de tensão, medo ou resistência e escolha olhar para ele com empatia, abertura e curiosidade.
Queremos que os participantes entendam que não há nada errado com o desconforto, com uma sensação ruim ou um sentimento desagradável. Na verdade eles trazem informações essenciais de necessidades importantes que não estão sendo atendidas, e somente identificando-as é que podemos expressar o que estamos passando ou fazer algo para supri-las.
Esse convite vai contra a corrente do que estamos acostumados culturalmente. É comum as pessoas pensarem que o desconforto é problema apenas delas, que ocorre somente com elas ou que talvez haja algo errado consigo mesmas. A consequência disso normalmente é um abafamento, silenciamento ou fingimento de que está tudo bem.
Sugerimos, então, não empurrar o desconforto para debaixo do tapete, como se fosse algo que não deveria existir. Fingir que não existe não vai fazê-lo desaparecer. O convite é olhar para o desconforto, tensão, medo ou resistência e tentar enxergar o que eles estão tentando nos dizer. Talvez ajude primeiro focar em nosso corpo e perceber quais sensações físicas estão presentes, que sentimentos e emoções estão surgindo. E então procurar notar porque elas estão aí, o que elas estão indicando, quais necessidades humanas universais, valores ou princípios não estão atendidos.
O desconforto pode surgir por diversos motivos. Podemos estar fora de nossa zona de familiaridade fazendo algo novo e então ficamos perdidos, com necessidade de mais clareza e confiança. Podemos ter receio de que em certa situação não teremos a segurança ou a proteção que gostaríamos e uma necessidade mais profunda de sobrevivência é ativada. Pode ser que não saibamos se teremos aceitação das pessoas e grupos aos quais queremos pertencer se agirmos de determinada maneira, sem saber se seremos julgados pelas pessoas.
O desconforto em geral, portanto, pode ser compreendido como um sinal interno e sistêmico que está mostrando que algo muito importante ficou descuidado e precisa de atenção para que nós, como sistemas complexos que somos, estejamos bem. Valorizar o sinal do desconforto pode também ser uma contribuição para os grupos dos quais participamos. Pode ser que num primeiro momento apenas nós captemos algo que também é importante para o grupo todo e que vai trazer ao coletivo um funcionamento mais saudável, sustentável e equilibrado.
Texto de Sandra Caselato e Yuri Haasz publicado originalmente em sua coluna na revista Bons Fluídos