Neste Setembro Amarelo, mês de campanhas anti estigma, conscientização e prevenção ao suicídio, queremos compartilhar um texto da Sandra Caselato publicado originalmente em sua coluna na UOL.
Suicídio e depressão: a pandemia cultural do séc XXI
Semana passada um amigo se suicidou. Já fazia alguns anos que ele batalhava contra a depressão.
Olhando sua página do facebook, parecia uma pessoa feliz, realizada, que superou padrões de sua família de origem, se casou, teve filhos, se reinventou profissionalmente, saindo de uma profissão tradicional onde não encontrava satisfação, para descobrir sentido no campo da sustentabilidade, da inovação, da transformação do mundo e do desenvolvimento pessoal.
Ele trouxe contribuições para a sociedade e para a vida de muitas pessoas. Inspirou muita gente a seguir seus corações, como podemos ver nos diversos relatos que aparecem agora nas redes sociais após sua morte. Alguns depoimentos demonstram surpresa e expressam que gostariam de ter podido ajudar, se soubessem pelo que ele estava passando.
Seu casamento havia terminado e ele estava bastante só, apesar de amigos próximos estarem fazendo o possível para apoiá-lo e fazer-lhe companhia. Mas, infelizmente, não encontrou o que precisava para seguir buscando sentido na vida.
Penso que o suicídio é apenas um dos sintomas de uma sociedade doente. Como diz Viviane Mosé, enfrentamos um esgotamento civilizatório e humano: “vivemos uma exaustão ambiental em consequência de um modo predatório de lidar com os recursos naturais, vivemos uma exaustão econômica, em função das imensas desigualdades sociais, do desemprego. E, por fim, enfrentamos a exaustão humana, ou melhor a exaustão do modelo de ser humano que criamos, vivemos o ódio à vida, em forma de depressão, suicídio, terrorismo, feminicídio, racismo”.
Existimos numa civilização que desvaloriza e nega a vida, que tenta mais controlá-la, manipulá-la e enrijecê-la do que compreendê-la e ajudá-la a florescer. A vida é movimento, descoberta, instabilidade, incerteza, vulnerabilidade e não aprendemos a lidar com isso. Nossa sociedade nos ensina a menosprezar e desvalorizar as emoções e os sentimentos, a reprimir o que temos de mais humano, aprendendo a atuar e interagir de maneira “desumana” com nós mesmos e entre nós. Não sabemos lidar com o sofrimento psíquico natural, que faz parte da natureza humana e da vida, e medicalizamos nossas angústias, tentando suprimí-las ou represá-las.
O enorme avanço das medicações psiquiátricas não corresponde a uma melhoria da qualidade de vida ou da saúde mental e emocional das populações. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera a depressão o mal do século. Atualmente, mais de 300 milhões de pessoas sofrem com depressão e ela é considerada uma das doenças mais incapacitantes do mundo, sendo que anualmente mais de 800 mil morrem por suicídio em decorrência da doença. Estima-se que no Brasil são 12 milhões de pessoas em depressão (uma a cada 17 pessoas, aproximadamente).
Parece que a solidão assola a todos: em números totais, a grande maioria dos suicídios ocorre em países de baixa e média renda, mas os países de alta renda têm as maiores taxas proporcionais de suicídio por número de habitantes. O suicídio é um problema de saúde pública e uma das principais causas de morte no mundo: a cada 40 segundos uma pessoas comete suicídio.
Numa civilização onde os sentimentos (especialmente os de angústia, tristeza, medo e solidão) não têm espaço, a tendência é ignorá-los até que, de tanto acúmulo, eles explodem em inúmeros transtornos mentais e emocionais: ansiedade, estresse, depressão etc. A sensação de falta de sentido, a desesperança e uma visão de futuro vazio, sem perspectivas, se tornam companheiras constantes. Mas esses são assuntos tabu, tratados com preconceito e ignorados pelas famílias e pela sociedade em geral. Pedir ajuda é sinônimo de fraqueza, principalmente para homens, numa sociedade patriarcal e machista. Aprendemos a sentir culpa por nossas tristezas e angústias. E assim, como uma bola de neve, o sofrimento aumenta. O suicídio parece então uma solução desesperada para acabar com ele e o isolamento social tende a exacerbar tudo isso. Há indícios de que durante a pandemia a taxa de suicídio tenha aumentado no Brasil: Atendimento do Samu relacionado a suicídio cresce durante a pandemia.
Conheço tantas pessoas incríveis, inteligentes, sensíveis, com tanto a contribuir no mundo e que estão em depressão, se sentindo sozinhas e incompreendidas. Falta-lhes um senso de comunidade, de pertencimento, de sentido na vida e de esperança para si e para o mundo.
Vivemos numa sociedade que não favorece o desenvolvimento pleno de nossas potencialidades e que muitas vezes até nos impede de atendermos às nossas necessidades humanas universais.
Estou em luto não apenas pela morte do meu amigo, que mesmo em sofrimento psíquico contribuiu para tanta gente, mas também pela nossa forma de vida atual, que de tanto reprimir nossas emoções e descuidar de nossa humanidade, nos tornou uma civilização autodestrutiva. Os números não mentem, nossa civilização encontra-se em estado coletivo de depressão estrutural e sistêmica: uma pandemia cultural, com resultados catastróficos. Serviço: o CVV – Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email e chat 24 horas todos os dias.